De Angela Koltes
Em um dia nublado de inverno, fui com alguns amigos passar a tarde na escola para cegos perto de minha casa. Era um daqueles “domingos como todos os outros”, exausta de toda a trabalheira da semana e ansiando o conforto da minha cama quentinha e desejando ficar descansando em casa. Não tinha a mínima vontade de sair; afinal, praticamente todo o mundo estaria passando um tempinho consigo mesmo e tirando o dia de folga. Mas, como já havíamos prometido ir à escola para alegrar e divertir um pouco as crianças naquela tarde solitária de domingo, tínhamos que ir. Nos fins de semanas, a maioria das famílias dos alunos vai buscar os filhos, que passam a semana na escola. De modo que havia algumas crianças naquele domingo, e cada uma delas mostrou como estava feliz por termos ido, nos recebendo com muitas expressões de alegria. Não tínhamos um plano, mas levamos um violão, chocalhos e bongos na esperança de levar um pouco de alegria para seus mundos tão sem cor. As crianças se juntaram à nossa volta, ouvindo a música e tentando entender de onde havíamos vindo e como éramos. Algumas tinham seus próprios instrumentos, e a maioria tem muito talento musical, e nos acompanhou, mostrando entusiasmadamente o que sabia. Em meio a todo aquele barulho e atividade, notei uma garotinha de cabelo curto sentada timidamente longe das outras crianças. Eu me perguntei quem seriam seus pais e por que não haviam vindo buscar uma garotinha tão linda. Fiquei zangada, pensando por que aquela criança viveria cega, impossibilitada de enxergar. Enquanto a observava, a primeira coisa que chamou a minha atenção foi seu sorriso radiante. “Como aquela garotinha, em sua condição tão triste, podia ser tão feliz?” Perguntava para mim mesma. A professora que acompanhou o meu olhar, começou a nos contar a história da garotinha. Seda tinha sete anos e fizera uma operação no cérebro dois anos antes. “Eu podia ver as árvores, os pássaros, o rosto do médico, tudo.” Acrescentou, ao ouvir sua professora, “Mas depois que eu acordei, não podia mais ver nada.” Foi como se uma pedra houvesse caído do alto bem no fundo do meu coração! Não conseguia mais apenas observar a garotinha em silêncio. “Mas eu sou tão feliz!” exclamou, rindo e brincando com as mãos. “Por que você é feliz, Seda?” perguntou sua professora. “Olha”, começou mansamente, “Mesmo que eu não possa mais ver aqui nesta terra, vou poder ver de novo no céu—e mal posso esperar por esse dia.” Fiquei com os olhos marejados, e sabia, ao olhar ao meu redor, que meus amigos estavam sentindo o mesmo que eu. Seda ficou o resto da tarde perto de mim. Ela pegava a minha mão e me guiava pela escola; sentava-se no meu colo e conversava sobre tudo o que ela gosta de comer, cada verdura, legume e fruta, e por quê. Ela descobriu um grande prazer nos sabores e sons ao seu redor. Era como se houvesse esquecido que não podia usar a sua visão. Quando voltei para casa aquela noite, o rosto de Seda não saía da minha cabeça. O que será que aquela menina via no seu mundo escuro que a fazia tão feliz? Depois, quando eu sentia o peso de um dia difícil de trabalho, não importava o que estivesse acontecendo no momento, só de lembrar de Seda, eu sabia que não tinha do que reclamar. Às vezes, os dias escuros pelos quais somos forçados a passar parecem insuportáveis e não vemos nenhum raio de esperança. Batalhamos cada dia ao menosprezarmos o que vemos ao nosso redor. Contudo, sei que se apenas me esforçar para pensar como aquele anjinho cuja visão lhe foi tirada, e olhar para o céu como ela fez, poderei louvar por cada dia que me foi dado nesta terra. Sempre que me sinto tentada a amaldiçoar a escuridão e criticar o que vejo ao meu redor, o sorriso daquela garotinha me vem à lembrança. Penso na fé que ela tem e na visão que ela tem para ver a luz do amanhã, e sei que se ela consegue fazer isso, eu com certeza consigo também.
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